terça-feira, 26 de maio de 2015

Os estados mentais inconscientes existem?

Embora a Filosofia da Mente possua uma agenda muito ocupada com os problemas da consciência, há uma questão que, para os psicólogos mais céticos e pragmáticos, pode ser muito mais atraente e envolvente – mas igualmente polêmica. Essa questão, que parece passar intocada pelos graduandos de Psicologia, por seus professores e para o público leigo, é a de se os estados mentais inconscientes(1) realmente existem – logo eles, que são rotineiramente invocados para se explicar o comportamento. Antes disso, é impressionante como até mesmo nós, clínicos e/ou professores, temos dificuldade em descrever o que são esses estados mentais – ou o que é a mente, afinal. Mas eu não estou aqui para tentar resolver o problema, e sim, entre outros motivos – inconscientes? –, para colocá-lo sobre a mesa. Devo adiantar que o que virá a seguir não é uma análise sobre os conteúdos e processos inconscientes postulados pela Psicanálise, da qual eu não tenho o menor domínio, e sim sobre a tese mais genérica e popular de que existe uma fatia da mente que trabalha e nos afeta sem sequer percebermos.


domingo, 23 de novembro de 2014

A falácia mereológica da Neurociência é uma chatice analítica da Filosofia?

Antes de ontem, ao apresentar um pequeno trabalho intitulado "A falácia mereológica da Neurociência" no XIII Congresso Brasileiro da SBNp, eu fui questionado sobre se os problemas filosóficos, sobretudo os conceituais, são realmente relevantes para a Neurociência. "Afinal", perguntaram-me, "em que sentido isso é importante para nós?" Infelizmente, o descaso do avaliador do meu painel não foi desfeito por eu ter mencionado que os conceitos que utilizamos na ciência influenciam não apenas as perguntas que formulamos, mas também como interpretamos nossos dados e como eles são divulgados pela mídia. E, cá para nós, uma afirmação como "uma parte do cérebro fora do seu controle é quem escolhe por você" está longe de ser inofensiva e, como pretendo demonstrar, não está perto de fazer algum sentido.


domingo, 8 de junho de 2014

A mente e o inconsciente: lugares, ficções ou eventos comportamentais?

Todos nós, psicólogos ou não, podemos nos embaraçar ao tentar explicar o que é a mente. "Mente" é de fato um termo bastante escorregadio, e nem mesmo os filósofos conseguiram entrar em consenso sobre sua definição. No cotidiano, tendemos a pensar que a mente é um lugar especial – e quiçá  imaterial – no qual ocorrem nossas ideias, sonhos e expectativas. Tanto é que, recentemente, uma cliente me pegou de surpresa com a pergunta "O irracional está no inconsciente?". Afinal, o que exatamente seria a mente, e como ela poderia, em seu compartimento inconsciente, abrigar a irracionalidade? Por ter me dado o combustível necessário para pensar bastante sobre o assunto, dedico este texto à dona de uma das questões mais inusitadas que já me foram endereçadas. E, agora com mais tempo e espaço, tentarei respondê-la em pormenores.


domingo, 12 de janeiro de 2014

Mente e cérebro são a mesma coisa?

Acabei de assistir a um vídeo em que um psicólogo defende a tese de que mente e cérebro são entidades indistinguíveis. Uma vez que lesões cerebrais são normalmente acompanhadas de alterações comportamentais, não teríamos mais por que insistir na crença de que a mente, imaterial, existe à parte do corpo. No entanto, se pararmos para cerebralizar, digo, pensar bem sobre a questão, podemos nos embananar com alguns paradoxos interessantes. Por exemplo, se um neurocientista afirmar que o prazer não é nada senão a atividade de neurônios do núcleo acumbente, poderíamos concluir que a sensação aprazível é, tal como os neurônios, úmida e eletricamente carregada? Ou, ao postularmos que os sonhos são reverberações dos circuitos neurais que trabalharam durante a vigília, poderíamos saber o que um indivíduo está sonhando ao inspecionarmos seu cérebro? A despeito dos valiosos estudos em neuropsicologia, um exame filosófico cuidadoso parece colocar em suspensão a atraente ideia de que mente e cérebro são a mesma coisa.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

É possível uma ciência da mente?

Há cem anos atrás, John B. Watson (1913/2008) teve seu impactante artigo "A Psicologia como o behaviorista a vê" publicado. Também conhecido como "Manifesto Behaviorista", seu texto continha críticas contundentes à introspecção, método pelo qual pretendia-se estudar cientificamente a mente -- ou a consciência -- humana. Entre outros motivos, a falta de consenso entre observadores e a limitada utilidade de seus resultados desencorajaram o uso do método introspectivo. Se a proposta de se estudar cientificamente a experiência mental não se sustentava, caberia à Psicologia adotar o comportamento como objeto de estudo. As coisas iam bem -- para os behavioristas -- até pouco depois da metade do século passado, quando a denominada "revolução cognitiva" resgatou a mente do limbo. A metáfora computacional e o estudo do cérebro poderiam fundamentar uma nova ciência da mente, e o behaviorismo passaria a ser retratado como uma doutrina obsoleta.


domingo, 23 de junho de 2013

Por que você é ateu?

Enquanto fazíamos uma rápida viagem, um simpático estudante de Teologia quis entender por que eu sou ateu. Como costuma acontecer, a resposta "Não há evidências que apoiem a hipótese de que Deus existe" não foi satisfatória, e ele acabou levantando outras curiosas mas complicadíssimas questões. Ao chegarmos em Belo Horizonte, fiquei com a impressão de que eu não consegui amarrar bem minhas ideias, e, por isso, resolvi retomar suas seguintes perguntas: "E o que criou tudo?", "E o que explica por que você veio a nascer, ou por que logo aquele espermatozoide fecundou o óvulo?" e "Então, qual é o sentido da vida?". Procurei demonstrar por que nenhuma delas nos leva logicamente a Deus, arriscando-me a explicar que tipos de erro argumentativos cometem os religiosos. Para começar, achei que seria importante definirmos os termos "religiosidade" e "ateísmo". Para finalizar, esbocei uma resposta provisória para a questão que ecoa em minha mente há quase três meses.

terça-feira, 26 de março de 2013

O cérebro e o behaviorismo radical (parte 2)

No primeiro texto desta série, critiquei a alegação de que o modelo behaviorista clássico de explicação do comportamento, a tríplice contingência (estímulo, reposta e consequência [S:R-C]), "coloca o cérebro entre parênteses". Como procurarei novamente demonstrar, é possível considerar a atividade do cérebro em uma contingência de três termos, embora o behaviorista raramente o faça. Mas, afinal de contas, ele deveria fazer isso? Se deveria, e se o modelo SORC não precisa ser adotado, como seria uma "versão neuropsicológica" da tríplice contingência?

O modelo de análise SORC (Haase, 2011) é composto pelo estímulo antecedente (S), as respostas cerebrais (O), o comportamento observável (R) e uma consequência (C).